Transporte público é direito e dever
22/08/2016 | NTU
Desde 15 de setembro do ano passado, o artigo 6° da Constituição Brasileira tem nova redação, com a inclusão do Transporte Público como direito social. Parece óbvio que um cidadão tenha direito a um meio de transporte para seus deslocamentos diários. Não é bem assim. Era imprescindível que um dispositivo legal organizasse essa dialética do direito versus necessidade. Mas, e agora?
Nem mesmo a Constituição Federal pode garantir um direito que não implique deveres. Partindo dessa premissa, é possível entender por que o ônibus urbano, que responde por 86,8% do Transporte Público no Brasil, ganha poder diante da lei, mas perde espaço na via para o automóvel. O carro transporta 20% das pessoas, mas ocupa 60% dos corredores urbanos de uso misto, enquanto o ônibus carrega 70% e fica restrito a 20% desse espaço.
A desproporção não se dá apenas nessa conta, que só favorece o transporte individual, mas também no que se refere aos investimentos públicos para o transporte. Esse serviço, que está no grupo de maior peso no orçamento das famílias brasileiras, depois dos alimentos, deveria ser o mais acessível em todos os sentidos, mas não é. O número de projetos de Mobilidade urbana no País fala por si: hoje, 166 estão em operação, 63 estão em obras e 235 nem saíram do papel.
Infelizmente, nem mesmo agora, que recebe tratamento diferenciado por meio da Emenda Constitucional 90, graças à iniciativa da deputada federal Luiza Erun-dina (PSB-SP), a expectativa por melhorias do sistema de Transporte Público no Brasil encontra espaço na agenda de prioridades dos investimentos públicos.
Além das propostas que tramitam em comissão especial na Câmara dos Deputados, em busca de recursos para o Transporte Público, entre elas a criação da CIDE Municipal (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), taxando as vendas a varejo de combustíveis, o setor de Transporte Público urbano entende que há mais alternativas a serem exploradas, como as fontes orçamentárias para o custeio das gratuidades, o fortalecimento do vale-transporte, as contribuições sobre melhorias proporcionadas aos imóveis pelos sistemas de transporte e as receitas de estacionamentos.
Deve-se ressaltar ainda a importância de se dar continuidade aos programas federais de investimento no setor, com foco na priorização do Transporte Público no sistema viário, como forma de se alcançar um serviço de qualidade que atenda aos anseios da população brasileira.
A despeito do inegável legado que o Rio de Janeiro deixa para o Brasil, com relação à Mobilidade urbana, o tema não pode ser tratado ao sabor de planejamentos para grandes eventos mundiais, como Copa do Mundo e Olimpíadas. Deve ser fruto de decisões maduras, criteriosas, embasadas por largo conhecimento técnico e pelas reais necessidades de cada região, em sintonia com ações de curto, médio e longo prazos. Não existe um remédio eficaz para todas as mazelas da Mobilidade urbana.
O país que viu o primeiro serviço regular de ônibus a gasolina nascer em 1908, hoje conta com uma frota de 107 mil veículos, pertencente a 1.800 empresas do setor, que gera 537 mil empregos. Lamentavelmente, essa expressiva força de trabalho não impede que o ônibus urbano continue perdendo passageiros, segundo levantamento recente da NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos). A perda foi de três milhões de passageiros pordia, em 2015.
Os empresários do ramo têm consciência do seu quinhão de responsabilidade - de melhorar a qualidade do serviço, de oferecer mais opções de transporte seguro, eficiente e de alto desempenho. Mas é preciso entender que não são eles, sozinhos, capazes de inverter a logística concebida para favorecer CONGESTIONAMENTOS e a poluição ambiental. Muito menos pela decisão de financiar 100% da operação desse sistema de transporte unicamente com recursos provenientes da tarifa.
A questão está além de culpados e inocentes, de mocinhos e vilões, mas focada na competência e deveres de cada ator desse processo. O tema demanda ações contínuas, que devolvam ao passageiro do Transporte Público a certeza de que o sistema caminha para se tornar confiável, eficiente e de qualidade. É fundamental que o assunto seja amplamente discutido para que não se fique só com a frustrante sensação de que a nova condição de direito social conquistada pelo transporte seja apenas uma letra morta na Constituição Federal.
OTÁVIO VIEIRA DA CUNHA FILHO - Presidente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU)
Fonte: Correio Braziliense