Inovação e sustentabilidade no transporte coletivo: desafios e perspectivas para a mobilidade urbana
09/12/2024 | Entrevista
Nos últimos anos, o Brasil tem intensificado os debates sobre a sustentabilidade no transporte público, com especial foco na redução das emissões e na qualidade do ar. À frente desse movimento, o Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) discute as oportunidades para a descarbonização das frotas de ônibus urbanos. Em entrevista à Revista NTUrbano, o pesquisador Felipe Barcellos e Silva abordou as principais ações e os obstáculos do setor, reforçando a importância de políticas públicas que priorizem a eletrificação das frotas e o uso de combustíveis renováveis. Ele também ressaltou a necessidade de investimentos coordenados para viabilizar a transição energética, destacando que o apoio governamental e as parcerias entre municípios e a União são fundamentais para o sucesso dessas iniciativas. A eletrificação gradual e o aumento da eficiência das frotas são considerados estratégias centrais para transformar o transporte urbano, promovendo uma mobilidade mais limpa e eficiente para as cidades brasileiras.
Com Felipe Barcellos e Silva
O pesquisador, líder de projetos no IEMA, reforça que a eletrificação dos ônibus representa um avanço importante para a sustentabilidade, com iniciativas já em andamento em cidades como São Paulo, que busca consolidar uma frota cada vez menos poluente. Segundo Barcellos, a inovação deve ser acompanhada pela implementação de faixas exclusivas, que otimizam o tempo de viagem e contribuem para uma menor emissão por quilômetro rodado. Além disso, a expectativa é que a combinação entre biocombustíveis e veículos elétricos seja uma solução viável para atender às metas de descarbonização. Para ele, o fortalecimento de políticas de incentivo ao transporte público e a ampliação da frota elétrica representam um ganho ambiental e social, promovendo cidades mais sustentáveis e inclusivas para todos.
O mundo está diante do desafio da redução das emissões de gases de efeito estufa para enfrentar as mudanças climáticas. Qual o peso atual do transporte como um todo, e do transporte público por ônibus urbano em particular, nas emissões brasileiras?
Hoje, no Brasil, podemos afirmar que a principal fonte de emissões não é o setor de transportes, pois temos uma grande quantidade de emissões provenientes do uso da terra, principalmente do desmatamento de áreas sensíveis, como a Amazônia. Essas emissões relacionadas ao desmatamento são consideradas, de certa forma, mais fáceis de reduzir, pois não exigem tecnologia ou desenvolvimento industrial. Elas dependem, sim, de políticas públicas, vontade política, monitoramento e de instrumentos que o Brasil, inclusive, já possui.
No passado, o Brasil conseguiu reduzir essas emissões de desmatamento de maneira significativa, e a expectativa é que consiga fazê-lo novamente em um futuro próximo. Quando o Brasil conseguir diminuir essas emissões, o setor de energia — que inclui as emissões provenientes da queima e da produção de combustíveis — terá um peso ainda maior nas emissões brasileiras. Atualmente, esse setor representa cerca de 20% das emissões no Brasil, e essa porcentagem tende a aumentar em um cenário de menor desmatamento.
Dentro do setor de energia no Brasil, o principal responsável pelas emissões, diferentemente do que ocorre em outros países, é o setor de transportes. Em outros países, de forma geral, as emissões da geração de eletricidade, devido ao uso de carvão, gás natural e outros combustíveis fósseis, são a principal fonte no setor de energia. No Brasil, isso não acontece, pois temos uma matriz elétrica relativamente renovável, com hidrelétricas, energia eólica e solar. É claro que é preciso manter a renovabilidade da nossa matriz elétrica, mas, com essa matriz relativamente renovável, o setor de transportes se torna o principal emissor dentro do setor de energia.
A atividade de transporte inclui tudo o que é queima de combustíveis em veículos, como caminhões, ônibus e carros. Nesse contexto, os ônibus têm uma parcela menor de responsabilidade em comparação com os carros e caminhões, mas ainda representam uma parcela importante. Especificamente, as emissões dos ônibus representam cerca de 9% a 10% das emissões de energia, o que é significativamente menor do que as emissões de automóveis, apesar de os ônibus transportarem uma grande quantidade de passageiros.
Nas grandes cidades, como São Paulo, por exemplo, a pesquisa Origem e Destino revela que as viagens são divididas em aproximadamente um terço para transporte individual motorizado (carros e motos), um terço para transporte coletivo e um terço para transporte a pé. No entanto, esse um terço do transporte individual motorizado é o principal responsável pelas emissões no setor de transporte da cidade de São Paulo, algo que também ocorre em outras cidades.
Embora os ônibus emitam gases poluentes, já que a maioria ainda opera com diesel, eles são, na verdade, parte da solução, pois emitem muito menos por pessoa transportada do que se todas essas pessoas utilizassem automóveis para ir ao trabalho, escola ou lazer.
Quais medidas poderiam ser adotadas ou aceleradas pelo setor para contribuir na redução das emissões?
No setor de transporte como um todo, sempre que falamos de redução de emissões, existem três grandes ações que podem ser tomadas, necessariamente nesta ordem, pelo poder público e pela sociedade em geral: evitar, mudar e melhorar. Evitar longas viagens motorizadas e o uso do transporte individual motorizado, como o carro, fazendo com que as pessoas morem próximas às suas oportunidades de emprego, lazer, educação e, com isso, usem menos combustível e esforço para se deslocarem, podendo até ir a pé, de bicicleta ou utilizar o transporte coletivo.
Depois disso, se não for possível evitar, é necessário mudar as viagens, para que as pessoas que usam o carro possam utilizar cada vez mais o transporte coletivo. O transporte coletivo no Brasil é majoritariamente feito por ônibus e, por pessoa transportada, o ônibus emite muito menos do que um carro.
Por fim, se não for possível evitar ou mudar, é necessário melhorar, ou seja, aprimorar as tecnologias dos veículos que ainda precisam ser utilizados. Se não é possível evitar ou mudar completamente, mas ainda existem veículos em uso, é importante investir em tecnologias menos emissoras, como ônibus elétricos ou biocombustíveis, que reduzem emissões. Outras ações, como melhorar o próprio tráfego, também são importantes.
No caso dos ônibus, por exemplo, aumentar a velocidade média de viagem por meio de corredores de ônibus, BRTs ou faixas exclusivas é muito interessante. Assim, o ônibus consegue circular de maneira mais fluida, sem a necessidade de parar e retomar o movimento ao competir pelo espaço na pista com automóveis. Dessa forma, o motor trabalha de maneira mais eficiente e emite menos gases de efeito estufa, uma vez que queima menos combustível. Essa é uma forma adicional de melhorar as viagens.
Voltando ao tema dos ônibus especificamente, o setor de transporte coletivo pode ajudar a reduzir as emissões ao tornar os ônibus cada vez mais tecnológicos. É importante considerar a eletrificação da frota nas cidades ou o uso de outros tipos de combustíveis, como biocombustíveis, especialmente o biodiesel e, no futuro, combustíveis semelhantes ao diesel fóssil, mas produzidos a partir de biomassa, como o HVO.
Além disso, aumentar a frota de ônibus é fundamental para que as emissões possam cair. Mais pessoas usando o transporte coletivo significa que por pessoa transportada será mais eficiente. Afinal, por pessoa transportada, um veículo grande como o ônibus emite muito menos do que o transporte individual.
Recentemente, houve a aprovação da Lei do Combustível do Futuro. De que forma essa medida pode impactar positivamente na descarbonização da frota de ônibus urbanos no país?
Essa lei visa incentivar a dimensão "melhorar" nas ações de redução de emissões, ou seja, aprimorar as tecnologias para que sejam menos emissoras de gases de efeito estufa. A lei tem como principal objetivo promover o uso de combustíveis provenientes de biomassa, conhecidos como biocombustíveis. Ela estabelece metas para o aumento da porcentagem de biodiesel misturado ao diesel comercial, que pode ser adquirido nas bombas de combustível, nos postos de gasolina e diesel. Além disso, incentiva o uso de etanol e outros combustíveis, incluindo alguns ainda não empregados no Brasil, como o diesel verde.
A norma pode ser um incentivo importante para o uso de biocombustíveis, que serão utilizados em ônibus com o diesel comercial misturado, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa provenientes da queima desses combustíveis. Os biocombustíveis, por serem renováveis, podem ser considerados neutros em emissões de CO2, pois são feitos a partir de biomassa, como a soja ou a cana-de-açúcar. Durante o crescimento dessas plantas, no processo de fotossíntese, elas capturam CO2 da atmosfera. Assim, quando esse combustível é queimado, ele emite CO2, mas esse CO2 pode ser considerado neutro, pois foi previamente absorvido da atmosfera. No ciclo de vida, então, esse CO2 pode ser contabilizado como neutro.
É muito importante que o Brasil e as políticas públicas estejam atentos às outras emissões da cadeia de produção desses biocombustíveis, especialmente as emissões relacionadas ao desmatamento e ao uso da terra. Por exemplo, se uma área natural for desmatada para o cultivo de cana-de-açúcar, isso resultará em mais emissões associadas ao biocombustível final, o que não seria desejável. Portanto, é essencial controlar as áreas onde a biomassa — como cana e soja — será plantada, para que não pressione o desmatamento ou cause conflitos pela terra, assegurando que o biocombustível seja realmente neutro em carbono.
Em resumo, a Lei do Combustível do Futuro busca promover, no contexto dos ônibus e veículos pesados que utilizam diesel fóssil, a substituição desse combustível por alternativas renováveis, como o biodiesel e o diesel verde.
Uma das medidas do Combustível do Futuro é o aumento do percentual de biodiesel no diesel usado por ônibus e caminhões, o que causa uma série de problemas nos motores e pode até aumentar as emissões, segundo estudo da Universidade de Brasília. O que pode ser feito para resolver isso? Seria melhor buscar outros caminhos para a descarbonização?
Uma das medidas que a Lei Combustível do Futuro traz é o aumento gradual da mistura de biodiesel no diesel fóssil, de modo que o diesel comercial contenha uma porcentagem crescente dessa mistura. No entanto, existem algumas controvérsias em relação a isso, pois montadoras, fabricantes e alguns operadores de veículos, como caminhões e ônibus, afirmam que um aumento excessivo da porcentagem de biodiesel no diesel comercial pode prejudicar o motor. Por essa razão, toda vez que uma nova porcentagem de biodiesel for adicionada ao diesel comercial, é essencial que estudos sejam realizados.
Esses estudos são importantes para garantir que essa mudança não prejudique os motores e nem aumente as emissões. Também é necessário investigar mais sobre o impacto nas emissões de poluentes locais ao utilizar biodiesel. Isso porque, enquanto o CO² — um poluente climático — tende a diminuir com o uso de biodiesel, dado que o CO² emitido na queima pode ser considerado neutro (uma vez que foi previamente capturado da atmosfera durante o crescimento da planta), outros poluentes, como material particulado e óxidos de nitrogênio (NOx), continuam sendo emitidos e não são considerados neutros.
Portanto, são necessários mais estudos para compreender até que ponto o aumento da porcentagem de biodiesel pode impactar as emissões desses outros poluentes. É fundamental que a emissão de poluentes como material particulado, monóxido de carbono e óxidos de nitrogênio (NOx) não aumente, especialmente porque esses veículos trafegam, em grande parte, em áreas urbanas onde a qualidade do ar já é comprometida. Além disso, pode ser interessante considerar o uso de tecnologias avançadas de biocombustíveis, como o HVO, que possui uma composição molecular mais semelhante ao diesel fóssil e, por isso, pode ser adicionado ao diesel de petróleo em uma porcentagem maior do que o biodiesel atualmente permite.
Desde 2023, veículos com motores padrão Euro 6, de baixa emissão, vêm sendo incorporados às operações de transporte urbano. Podemos considerar a adoção do Euro 6 como uma etapa de transição para uma frota mais sustentável? Trocar a frota existente por ônibus Euro 6 traria um ganho significativo para a redução das emissões?
Sobre a frota padrão Euro 6, é importante mencionar que existem dois tipos de emissões que podem ser contabilizadas. Primeiro, as emissões de gases de efeito estufa, como o CO², o metano e o N²O. No caso da queima de combustíveis, o CO² é de longe o principal gás de efeito estufa e contribui para o efeito estufa e, consequentemente, para as mudanças climáticas, afetando o clima global.
Além disso, temos as emissões de poluentes locais, que nem sempre são gases de efeito estufa, mas afetam diretamente a saúde. O CO², por exemplo, não é prejudicial à saúde quando inalado, pois, faz parte do processo de respiração. No entanto, outros poluentes, como material particulado e NOx, são liberados durante a queima de combustíveis e, ao serem inalados em áreas urbanas, impactam diretamente a saúde.
Esses poluentes atmosféricos locais, principalmente o material particulado (MP) e o NOx, são aqueles que os motores padrão Euro 6 visam reduzir nas emissões por litro de combustível queimado. Os motores Euro 6 emitem significativamente menos material particulado por litro de combustível do que os motores Euro 5, que, por sua vez, emitiam menos do que os motores Euro 3, e assim sucessivamente. Essa redução é positiva, pois diminui as emissões nocivas da queima do diesel, um combustível conhecido pela alta emissão de NOx e material particulado.
No entanto, se continuarmos a usar diesel fóssil, proveniente do petróleo, a diferença entre um motor Euro 6 e um Euro 5 em relação ao CO² é mínima, já que o motor Euro 6 não é capaz de reduzir essas emissões de CO². Assim, enquanto o Euro 6 é eficaz na redução de poluentes locais, para uma diminuição nas emissões de CO², seria necessário o uso de combustíveis renováveis. Os combustíveis renováveis podem reduzir o CO², enquanto os motores Euro 6 reduzem as emissões de material particulado, NOx e outros poluentes locais.
Idealmente, a transição das frotas de ônibus para frotas elétricas seria o cenário mais favorável, pois os ônibus elétricos não emitem gases pelo escapamento, eliminando tanto as emissões de CO² quanto as de poluentes locais. Embora existam desafios para a implantação de ônibus elétricos, essa seria, pelo menos em termos de emissões pelo escapamento, a melhor opção.
Como avalia o progresso da eletrificação da frota de ônibus urbanos no Brasil em comparação com outros países da América Latina? Quais fatores explicam eventuais diferenças nesse ritmo de evolução?
De fato, ao observarmos alguns de nossos países vizinhos na América Latina, especialmente Chile e Colômbia, o Brasil está bastante atrás nesse processo de eletrificação. A principal dificuldade são os preços no Brasil, que ainda estão significativamente mais altos do que os dos ônibus a diesel. Teoricamente, ao analisarmos os custos, a grande vantagem do ônibus elétrico é que, apesar de ser mais caro na aquisição, ele tende a compensar esse valor no custo de operação, pois não é necessário abastecê-lo com combustível. Basta recarregar, o que é bem mais barato que o preço do diesel, permitindo economias ao longo do tempo.
Essa lógica é semelhante à dos painéis solares: primeiro, há um alto custo de aquisição, mas ao longo do tempo é possível economizar na conta de luz. O mesmo ocorre com os ônibus elétricos. Embora mais caros, a ideia é que o proprietário economize devido à redução nos gastos com combustível. No entanto, os preços continuam sendo um grande obstáculo no Brasil, pois são mais elevados do que o esperado. O grande desafio, então, é reduzir esse custo. É essencial que se compreenda, em parceria com a indústria, por que esses preços estão altos e como podem ser reduzidos, por exemplo, por meio do aumento das vendas desses ônibus.
Com mais cidades comprando, espera-se que os preços diminuam, uma vez que o aumento da produção reduz os custos, ou seja, é o efeito da escala. Além disso, há a questão das baterias, que encarece os ônibus. Algumas soluções discutidas incluem apoio do Governo Federal para a compra de ônibus elétricos. No PAC, por exemplo, há uma linha de financiamento para auxiliar e incentivar os municípios na aquisição de ônibus elétricos, uma vez que o Governo Federal tem maior capacidade de arrecadação e financiamento do que os municípios, podendo, assim, apoiar a compra desses veículos.
Outras estratégias envolvem parcerias com outros atores, como as próprias distribuidoras de energia, que podem se beneficiar com o aumento do consumo de energia necessário para carregar esses ônibus, incentivando a compra por parte das operadoras municipais. Além disso, há o modelo de leasing de baterias, que funciona como um empréstimo ou aluguel das baterias. Como o preço de aquisição é muito alto, pode haver um arranjo para que os municípios aluguem a bateria de algum fabricante, pagando um valor anual, o que seria mais viável do que pagar o custo total de aquisição. Essas são algumas das soluções e dificuldades enfrentadas pelo poder público e pelos municípios para o avanço dos ônibus elétricos no Brasil.
A questão do financiamento é um dos desafios para a descarbonização da frota nacional de ônibus urbanos, pela via da eletrificação, em função do alto custo dos veículos elétricos e da necessidade de investimentos na infraestrutura de recarga. Como superar esse obstáculo?
Podemos dizer que as dificuldades no Brasil estão relacionadas ao alto custo desses ônibus elétricos. Temos poucas fabricantes oferecendo esses ônibus no mercado, portanto, seria importante que as fabricantes — especialmente as já consolidadas, que dominam o mercado de ônibus a diesel — também passassem a produzir ônibus elétricos. Com a concorrência, o preço poderia diminuir e isso abriria um novo mercado para essas fabricantes. Afinal, a renovação de toda a frota de ônibus no Brasil, de diesel para elétrico, exigirá um grande esforço e, naturalmente, será interessante para as fabricantes venderem esses novos veículos.
Para enfrentar o desafio do financiamento, é fundamental compreender toda a cadeia de suprimento dos ônibus elétricos e considerar tanto a participação dos municípios quanto do Governo Federal. É necessário contabilizar o que será preciso em termos de incentivos e subsídios. Algumas cidades, como São Paulo, têm capacidade para subsidiar esses ônibus elétricos.
Portanto, é importante analisar quanto se deseja reduzir em emissões, visando melhorar a qualidade do ar nas cidades e, com isso, economizar recursos indiretamente, como em internações no Sistema Único de Saúde (SUS) por problemas respiratórios. Subsidiar o ônibus elétrico, além de reduzir problemas respiratórios da população ao melhorar a qualidade do ar, diminui as emissões de gases de efeito estufa.
A mudança da matriz energética do transporte público depende de maior envolvimento dos governos locais e da União?
Certamente. Será necessária uma parceria entre União, estados e municípios. À União cabe a responsabilidade pela estratégia de política energética do país; por exemplo, a lei Combustível do Futuro é uma estratégia nacional para reduzir emissões através do incentivo aos biocombustíveis. Além disso, a União definirá a direção para a transição do petróleo, como decidir se abriremos novos poços de petróleo, e o que faremos no setor elétrico para permitir que as cidades utilizem mais eletricidade no transporte.
Nos municípios, caberão decisões e estratégias específicas, como o uso de linhas de financiamento do PAC que incentivam o transporte eletrificado por ônibus nas cidades. No entanto, são as prefeituras que devem se inscrever para receber esse financiamento. As cidades que não se inscreveram talvez não considerassem essa estratégia como prioridade no momento. Portanto, essa transição dependerá da vontade política e da visão de cada governo, seja ele federal ou local.
Depende de o governo local entender se a descarbonização e a transição energética no transporte são interessantes. Esperamos que cada vez mais os governos locais reconheçam essa necessidade, considerando que os problemas de poluição do ar e as questões climáticas já têm um impacto significativo na vida das pessoas. Uma forma de mitigar esses problemas é o incentivo ao transporte coletivo, idealmente eletrificado.
É importante destacar que o transporte coletivo traz, além do benefício ambiental, outras vantagens, como benefícios econômicos e sociais. O benefício social envolve tornar a cidade mais democrática, garantindo que mais pessoas tenham acesso ao transporte e, consequentemente, a outros direitos. O transporte é o direito que permite o acesso à educação, ao trabalho, à saúde e ao lazer. Assim, o transporte coletivo a preços acessíveis ou mesmo sem tarifa — como nos movimentos de tarifa zero — é uma forma de democratizar a cidade.
No aspecto econômico, diversos estudos mostram que, com mais transporte coletivo, as pessoas tendem a caminhar mais, o que as deixa mais propensas a frequentar comércios locais, impulsionando a economia. Isso beneficia a economia local. Além disso, ao promover o transporte coletivo, reduzimos os congestionamentos, o que significa menos perda de produtividade devido ao tempo gasto no trânsito.
Para o combate às mudanças climáticas e a melhoria da gestão urbana, o que seria mais eficaz: a eletrificação da frota de transporte público ou a redução do número de veículos motorizados individuais nas ruas, com a migração desses usuários para o transporte público? Essas soluções podem ser complementares?
Com certeza. Quando falamos de emissões no transporte, seja pela queima de gasolina, diesel, etanol ou outros combustíveis, os principais responsáveis pelas emissões no Brasil são os caminhões e os carros. Ao considerar todas as emissões do transporte no Brasil — incluindo veículos como aeronaves, embarcações, motocicletas, ônibus, carros e caminhões — os caminhões são os maiores emissores, representando cerca de 40% das emissões do setor de transportes. Outros 30% vêm dos carros, enquanto apenas cerca de 10%, ou até menos, são provenientes dos ônibus.
Portanto, sabemos que, em termos de transporte de passageiros, os carros são os principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa e de poluentes locais. Às vezes, pode haver a impressão de que, como os carros transportam muitas pessoas diariamente, as emissões estariam proporcionais ao número de viagens. No entanto, isso não é verdade.
Embora varie de cidade para cidade, na cidade de São Paulo, por exemplo, cerca de um terço das viagens é realizado por transporte individual motorizado (principalmente carros), um terço por transporte a pé e outro terço por transporte coletivo. Mesmo assim, de acordo com um estudo do IEMA, mais de 70% das emissões de gases de efeito estufa no transporte de passageiros em São Paulo provêm dos carros, enquanto cerca de 20% vêm dos ônibus.
Assim, embora o número de viagens esteja igualmente dividido, as emissões não são. Isso ocorre porque, por passageiro transportado, os automóveis emitem muito mais do que os ônibus, mesmo que estes ainda utilizem majoritariamente o diesel. Portanto, uma ação importante que os governos locais precisam adotar é incentivar o transporte coletivo em detrimento do transporte individual.
Além disso, combinar duas ações de impacto seria ideal: incentivar o transporte coletivo e eletrificá-lo. Dessa forma, reduzimos o número de automóveis nas ruas e, ao mesmo tempo, diminuímos as emissões dos ônibus, que hoje utilizam em sua maioria o diesel. Esse seria o melhor cenário possível. É essencial que essas duas ações sejam realizadas de maneira conjunta.
Dado que as cidades são complexas e apresentam problemas variados, é fundamental que a mobilidade urbana seja abordada de forma integrada. É importante incentivar tecnologias nos ônibus, como as elétricas, mas também implementar uma série de ações para fomentar o uso do transporte coletivo. Entre essas ações estão a criação de faixas exclusivas para ônibus, BRTs, corredores de ônibus, expansão das linhas de ônibus e execução de planos diretores que promovam a habitação mais próxima das áreas de trabalho, renda e transporte de massa.
Isso aumentaria o número de pessoas usando o transporte coletivo. Também é crucial pensar no custo desse transporte. Temos observado uma crise de financiamento do transporte coletivo, com tarifas aumentando consideravelmente em algumas cidades. Por outro lado, algumas cidades estão experimentando a tarifa zero, o que pode ser uma forma de incentivar o uso do transporte coletivo e, ao mesmo tempo, reduzir o uso do transporte individual.
Como o IEMA avalia as políticas públicas implementadas no Brasil para promover uma mobilidade urbana mais sustentável e um transporte público menos poluente? Existe alguma iniciativa ou proposta concreta em andamento que se destaque nesse cenário?
Como já comentei, o IEMA avalia que o melhor fluxo de decisões para aumentar e melhorar a mobilidade urbana nas cidades é o fluxo de evitar, mudar e melhorar. Esse fluxo envolve evitar longas viagens, promovendo a habitação próxima às oportunidades; mudar as viagens do transporte individual para o transporte coletivo; e melhorar as viagens com novas tecnologias ou soluções que proporcionem mais fluidez ao transporte coletivo.
De maneira geral, sabemos que há diversas ações dentro dessas três vertentes nas cidades, como os planos diretores em grandes cidades, que buscam incentivar as pessoas a morar mais perto das áreas de transporte de massa e adensar as regiões próximas ao transporte coletivo.
Quando falamos em mudar, algumas cidades foram bem-sucedidas na implementação de corredores de ônibus. Alguns anos atrás, São Paulo realizou uma grande implementação de faixas exclusivas, e o IEMA avaliou que essas faixas, além de aumentarem a velocidade média dos ônibus e reduzirem o tempo de deslocamento dos usuários, também reduziram o consumo de combustível por quilômetro e, consequentemente, as emissões de gases de efeito estufa. Esse exemplo das faixas de ônibus de São Paulo, que também está sendo replicado em outros locais, como nos projetos de BRT em Belo Horizonte e outras cidades, mostra que aumentar a velocidade média de viagem reduz o tempo gasto no transporte coletivo.
Esse tipo de ação é fundamental, não só pelos ganhos na mobilidade, mas também porque traz o benefício importante de reduzir o consumo de combustível e, por consequência, as emissões de gases de efeito estufa. A diminuição do consumo de combustível é relevante também para a economia de recursos, uma vez que o combustível é um dos grandes custos no transporte coletivo. Quando falamos em melhorar, vemos que algumas cidades estão tentando implementar ônibus elétricos. Existem licitações de concessão de operação de ônibus, como em Campinas e São Paulo, que buscam estabelecer metas para o uso de ônibus elétricos.
Especificamente, a cidade de São Paulo tem uma lei que exige que as operadoras e a prefeitura implementem uma frota quase 100% elétrica até 2038. Esse é um passo importante para incentivar e guiar a cidade nessa transição. Além disso, há políticas federais de transição energética e incentivo ao uso de biocombustíveis, que também podem tornar a mobilidade urbana mais sustentável.
Por fim, também há iniciativas da indústria, como o padrão Euro 6, que faz parte do Programa de Controle de Emissões Veiculares (Proconve). Este programa estabelece limites progressivos para emissões em ônibus e veículos em geral. No Euro 3, havia uma quantidade elevada de emissões de material particulado e NOx por quilômetro rodado; no Euro 5, esses níveis foram reduzidos, e no Euro 6, houve uma melhora ainda maior.
Contudo, a indústria precisa ser mais proativa que o próprio Proconve, buscando ainda mais redução nas emissões e disponibilizando novas tecnologias no mercado, como veículos híbridos, elétricos e, futuramente, a hidrogênio. Embora essa transição dos veículos a diesel para os elétricos esteja acontecendo em ritmos variados, é um processo que seguirá adiante, tornando-se cada vez mais prevalente.
Um dos principais desafios apontados por especialistas é o descarte das baterias dos ônibus elétricos, que podem pesar até 2 toneladas cada. Como o Brasil pode se preparar para enfrentar esse desafio ambiental? Há estudos voltados para a implementação de logística reversa ou reaproveitamento das baterias para uma segunda vida?
Esse é, de fato, um desafio importante da mobilidade elétrica. Às vezes, essa mobilidade é promovida de forma um tanto publicitária, como "mobilidade limpa". No entanto, ao analisarmos toda a cadeia de suprimentos de qualquer fonte de energia ou tecnologia, percebemos que não existe tecnologia 100% limpa, pois, de alguma forma, a intervenção humana modifica a natureza, gerando impactos.
O objetivo deve ser mitigar ao máximo esses impactos e optar por tecnologias com menores efeitos negativos. Em termos de gases de efeito estufa, entende-se que os veículos elétricos têm um impacto menor, especialmente em um país como o Brasil, onde o setor elétrico é amplamente abastecido por fontes renováveis, como hidrelétricas, e, cada vez mais, por usinas eólicas e solares. Um ponto de atenção em relação à tecnologia elétrica, porém, é o descarte das baterias, que contêm materiais potencialmente tóxicos.
É essencial que o Brasil planeje uma cadeia de reciclagem para essas baterias, cujo uso aumentará significativamente não apenas em ônibus, mas também em carros, caminhões e outros equipamentos eletrificados. O setor de resíduos sólidos e de reciclagem precisa desenvolver uma estrutura para a reciclagem e o reuso desses materiais. Hoje, já existe uma cadeia relativamente bem-sucedida de reciclagem e reuso de baterias de chumbo, as baterias comuns em carros a combustão.
Nosso desafio é replicar essa cadeia bem-sucedida para as baterias de lítio, que terão um volume muito maior do que as de chumbo atualmente. O tema da reciclagem é, portanto, crucial, e um planejamento adequado sobre isso ainda é algo que não vemos amplamente discutido. Esse assunto será uma nova frente de estudos e práticas com foco no impacto ambiental.
Outro aspecto a ser destacado é o reuso das baterias. No caso de veículos, as baterias precisam ser potentes e confiáveis, pois não podem descarregar no meio de uma viagem. No entanto, após a vida útil dessas baterias para veículos se esgotar, elas podem ser reaproveitadas em outras aplicações, como em sistemas domésticos. Por exemplo, em casos de apagões, pessoas que possuem painéis solares e baterias podem continuar a usar a energia armazenada, mesmo que essas baterias não precisem ser tão eficientes quanto as de um veículo.
Além disso, ao falar de reciclagem, é fundamental considerar a própria mineração dos chamados minerais críticos para a transição energética, como lítio e cobalto. A mineração desses materiais já ocorre em algumas regiões e, se expandida para o Brasil, é crucial que isso seja feito de maneira a evitar conflitos pela terra e problemas de exploração, como os que já ocorrem com o cobalto em outros países.
Se esse novo mercado de mineração crescer no Brasil, ele deve ser rigorosamente regulamentado para evitar conflitos, desmatamento e outros impactos ambientais, e ser realizado apenas em áreas que a sociedade considere aceitáveis. Por exemplo, áreas da Amazônia e territórios indígenas não são aceitáveis para mineração. É essencial, portanto, refletir sobre onde essa mineração será feita e em quais condições, especialmente no contexto brasileiro.
A calculadora ReFrota, desenvolvida pelo IEMA, tem ajudado os operadores de ônibus de São Paulo a reportarem as emissões de gases de efeito estufa e poluentes de suas frotas, conforme a Lei 16.802/2018, que estabelece metas para a redução dessas emissões no transporte público. Quais os principais resultados alcançados até o momento? Há planos de ampliar o uso dessa ferramenta para outras cidades no Brasil?
De fato, existe uma lei que obriga os operadores de ônibus a reduzirem gradualmente suas emissões de poluentes locais e gases de efeito estufa. Inicialmente, percebeu-se que essa meta representava um grande desafio para os operadores. Na época, o IEMA, em parceria com a SPTrans — o órgão da Prefeitura de São Paulo que regulamenta e controla a operação de ônibus na cidade (realizada por operadores privados, por meio de concessão pública) —, ao conversar com os técnicos da SPTrans e das operadoras, identificou uma grande dificuldade em planejar e compreender como as reduções poderiam ser implementadas. Por exemplo, qual seria a redução de emissões ao colocar um ônibus elétrico a mais? Qual a diferença se esse ônibus operasse em uma linha específica ou em outra, ou se fosse de um determinado tamanho?
Para auxiliar nesse planejamento, o IEMA, em conjunto com a SPTrans, desenvolveu a Planfrota, uma ferramenta de planejamento que permite aos operadores estruturarem suas estratégias de redução. Em seguida, foi criada a Refrota, uma ferramenta de reporte e verificação das emissões. Depois de planejar, é essencial que, ao longo do ano, os operadores reportem à SPTrans as emissões efetivas, para que o órgão gestor monitore se as reduções estão ocorrendo conforme exigido pela lei. A Refrota é atualmente utilizada com sucesso pelos operadores.
O IEMA considera que, nesse aspecto, o projeto foi bem-sucedido. No entanto, ao avaliar a redução efetiva das emissões, surge uma preocupação. Em relação às emissões de gases de efeito estufa, a cidade não está reduzindo em um ritmo suficiente para cumprir a lei, que estabelece metas para 2028 e 2038. Além dessas metas decenais estabelecidas pela lei, os próprios contratos de concessão dos ônibus têm metas anuais.
No entanto, observa-se que as emissões de CO² não estão caindo, uma vez que a renovação da frota de ônibus a diesel para ônibus elétricos em São Paulo não está acontecendo no ritmo necessário. Isso pode ser atribuído a dificuldades na compra desses ônibus, falta de investimento e falta de vontade política da prefeitura. A prefeitura estabeleceu uma meta de colocar em operação até 2.600 ônibus elétricos na cidade.
Essa meta está no plano de metas 2021-2024 da atual gestão da prefeitura de São Paulo, mas os resultados ficaram muito abaixo do esperado. Atualmente, apenas cerca de 380 ônibus elétricos estão em circulação na cidade, sendo mais precisamente 381, dos quais 201 são trólebus, ônibus antigos que já operam em São Paulo há muito tempo, antes mesmo das discussões sobre transição energética. Os outros 180 são ônibus elétricos com baterias convencionais. Esse número está muito aquém dos 2.600 prometidos e necessários para o cumprimento da lei. Essa é uma lei que precisa ser cumprida.
Contudo, nem tudo é negativo. Observa-se uma redução nas emissões de poluentes locais, resultado principalmente da entrada de ônibus mais novos, especialmente os fabricados após a implementação do padrão Euro 6. Esse padrão traz uma significativa redução nas emissões de poluentes locais, como material particulado e NOx. Portanto, é necessário continuar a renovação da frota para veículos Euro 6 para aqueles ônibus que não puderem ser substituídos por elétricos. Mas, na medida do possível, também é fundamental iniciar a transição da frota para ônibus elétricos.
Felipe Barcellos e Silva
Pesquisador no Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), Felipe Barcellos é engenheiro eletricista formado pela Escola Politécnica da USP, com formação técnica em eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Osasco. Com especialização em Mobilidade Urbana e Cidade Contemporânea pela Escola da Cidade, ele dedica-se à análise de políticas energéticas, mobilidade urbana, qualidade do ar e modelagem de emissões atmosféricas. No IEMA, participa de iniciativas voltadas para o desenvolvimento sustentável e a mitigação dos impactos ambientais, consolidando uma visão integrada entre tecnologia e meio ambiente.